*Redação Abrelivros
A entrevistada da Abrelivros em Pauta deste mês, Zoara Failla, socióloga e coordenadora da 6ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, conduzida pelo Instituto Pró-Livro, compartilha as principais conclusões do estudo. A pesquisa, que é a mais ampla sobre os hábitos de leitura dos brasileiros, traz reflexões sobre tendências e desafios na promoção do livro e da leitura no país.
Além de dados preocupantes sobre a diminuição de leitores em várias faixas etárias, Zoara ressalta a necessidade de políticas públicas integradas que valorizem a leitura, o acesso ao livro e a formação de mediadores competentes para promover uma verdadeira transformação cultural. Para Zoara “é fundamental promover campanhas nacionais de valorização da leitura e dos livros. É preciso resgatar representações positivas sobre a importância da leitura de livros e da literatura para o desenvolvimento social, a formação humana, a consolidação de ideais democráticos e o estímulo à empatia”.
– Quais são os principais avanços e tendências apresentados na 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura em relação aos hábitos de leitura dos brasileiros?
É difícil apontar avanços quando os principais indicadores de leitura mostram queda. Observamos redução em quase todas as faixas etárias e segmentos analisados pela pesquisa.
Apesar de termos constatado que apenas 43% da população brasileira se declara leitora, esse número é ainda menor quando consideramos apenas livros inteiros lidos: o percentual cai para 27%. Quando o foco são livros de literatura, apenas 25% da população afirma lê-los, o que corresponde a 50,4 milhões de brasileiros.
Em relação às tendências de comportamento, infelizmente, a leitura está perdendo espaço para outras atividades. Quando perguntados sobre o que fazem no tempo livre, os brasileiros apontaram a internet e as redes sociais como principais ocupações, revelando um aumento de 31 pontos percentuais no uso da internet e de 28 pontos no uso de aplicativos como WhatsApp e Telegram desde 2015. Nesse mesmo período, o percentual de pessoas que leem livros caiu de 24% para 20%.
Ao analisarmos por faixa etária, 43% das crianças de 5 a 10 anos e 39% das de 11 a 13 anos preferem o videogame como atividade de entretenimento. Apenas 25% delas relataram ler livros em seu tempo livre.
A pesquisa destaca o papel essencial da família na valorização da leitura e no incentivo ao hábito de ler livros. No entanto, a substituição desse tempo pelos celulares reflete um distanciamento preocupante, mesmo entre as crianças de 5 a 10 anos, faixa em que o gosto pela leitura é mais frequentemente mencionado. Esse cenário evidencia que estamos desperdiçando a oportunidade de nutrir o interesse pela leitura em vez de promovê-lo.
Infelizmente, esse é um dos “retratos” que explicam por que estamos “perdendo leitores pelo caminho”.
– Quais os maiores desafios identificados pela pesquisa para ampliar o acesso ao livro e formar novos leitores?
São muitos os desafios, mas acredito que o principal está na formação de leitores. Cerca de 38% dos brasileiros afirmam que não leem porque não compreendem o que leem, ou seja, não dominam as habilidades de compreensão leitora. Trata-se dos analfabetos funcionais. Este é o primeiro desafio: garantir a proficiência leitora e o letramento para todos os brasileiros.
Entretanto, há outros desafios: despertar o interesse pela leitura de livros e incentivar o gosto pela leitura de literatura. Nesse aspecto, apesar do papel fundamental das famílias, sabemos das limitações enfrentadas pela maior parte delas. Muitas não são leitoras e enfrentam condições econômicas e sociais que dificultam exercer essa influência. Diante dessa realidade, a escola se torna o espaço privilegiado para a formação de leitores, e dependemos, sobretudo, do professor.
Aqui surge outro desafio: de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura, o perfil leitor dos professores entrevistados é muito semelhante ao da média dos brasileiros. A preferência por Bíblia, livros religiosos e de autoajuda domina suas listas de leitura. Esse repertório, no entanto, não colabora para que os professores desenvolvam práticas leitoras atrativas e significativas para seus alunos.
É urgente formar professores que sejam leitores assíduos, capazes de atuar como mediadores de leitura. Eles precisam desenvolver práticas cativantes e promover trocas e compartilhamento de experiências de leitura. Além disso, é fundamental que sejam remunerados de forma adequada, permitindo que evitem jornadas duplas de trabalho, que muitas vezes inviabilizam tempo para a leitura ou a preparação de aulas de qualidade.
Outro desafio é garantir o acesso a livros de literatura indicados pelos professores, tanto para os alunos quanto para os próprios educadores. Atualmente, quase 60% dos alunos do ensino básico em escolas públicas dependem das bibliotecas escolares para acessar os livros recomendados. Contudo, segundo o Censo Escolar do MEC, cerca de 60% dessas escolas não possuem biblioteca. Além disso, 29% dos estudantes relatam que não encontram os livros indicados ou que os professores sequer fazem essas recomendações.
– A tecnologia digital e os formatos digitais de leitura foram abordados nesta edição? Que impacto eles têm nos hábitos dos leitores brasileiros?
Houve aumento no percentual de pessoas que informam usar o tempo livre na internet ou em redes sociais. Desde 2015, observou-se aumento significativo de 31 pontos percentuais no uso do tempo na internet e de 28 pontos no uso de aplicativos como WhatsApp e Telegram.
O consumo de livros, por outro lado, apresentou queda de 24% para 20%. Analisando esses dados por faixa etária, percebe-se que 43% das crianças de 5 a 10 anos e 39% das de 11 a 13 anos estão entretidas com videogames. Apenas 25% dessas crianças mencionaram a leitura de livros como uma atividade de lazer.
Ao perguntar sobre o que fazem na internet, a maioria relatou trocar mensagens pelo WhatsApp ou participar de chats. O percentual de uso do tempo livre em redes sociais é ainda mais elevado em segmentos que historicamente apresentavam maior proporção de leitores, como pessoas com ensino superior completo e pertencentes às classes A e B. O uso da internet cresce significativamente a partir dos 14 anos, mas começa a diminuir após os 49 anos.
Entre os leitores, apenas na faixa etária de 11 a 13 anos não foi identificada redução, permanecendo em 81%. Este grupo concentra o maior percentual de leitores, embora a pesquisa considere livros didáticos como parte do índice de leitura.
Além disso, quando comparamos as atividades realizadas por leitores e não leitores no tempo livre, fica evidente que os leitores possuem um repertório mais diversificado e engajado de práticas culturais, sociais, esportivas e de lazer. Entre essas atividades, destacam-se a participação em Slams e Saraus, especialmente entre os leitores de literatura.
– Quais públicos específicos (crianças, jovens, adultos) apresentaram as mudanças mais significativas em seus hábitos de leitura?
Identificamos mudanças significativas no comportamento dos jovens, especialmente na faixa de 18 a 39 anos. Nessa faixa etária, há aumento no percentual de influência de influenciadores digitais na decisão de leitura ou compra do último livro lido, especialmente entre leitores de literatura. Também observamos crescimento no percentual de jovens que afirmam “ouvir podcasts”. Entre a população acima dos 50 anos, destacam-se os maiores percentuais de leitores de Bíblia e livros religiosos. Nesse grupo, a influência de padres, pastores e líderes religiosos é uma das principais referências na indicação de livros.
Por outro lado, precisamos ressaltar um dado preocupante: a redução no percentual de leitores na faixa etária de 5 a 10 anos, o que impacta diretamente o desempenho no Ensino Fundamental I. Esse período é crucial para a alfabetização e a formação de leitores, e os dados levantam alertas importantes. Houve queda na prática de leitura em sala de aula, e 29% dos estudantes do Fundamental I relataram que seus professores não indicam livros. Outros 22% afirmaram que não encontram ou encontram apenas parte dos livros indicados.
– Na sua opinião, como os resultados da pesquisa podem auxiliar na formulação de políticas públicas e estratégias de incentivo à leitura?
As ações e a ampliação das Políticas do Livro e Leitura, assim como as iniciativas recentes do PNLD, são passos importantes para enfrentar os desafios da formação de leitores no Brasil. Entre as medidas anunciadas estão o PNLD Educação Infantil: distribuição de obras literárias para bibliotecas públicas e comunitárias; Vans com exemplares do PNLD: circulação em locais sem bibliotecas; e Instalação de bibliotecas comunitárias: em unidades do programa Minha Casa Minha Vida.
Essas ações devem ser acompanhadas de programas robustos de formação para professores, bibliotecários e mediadores de leitura, agentes essenciais para transformar espaços de leitura.
É urgente retomar o programa de universalização das bibliotecas escolares, cujo prazo terminou em 2020. Todas as escolas devem contar com bibliotecas com acervos atualizados, internet e atividades pedagógicas que envolvam a comunidade escolar, tornando esses espaços locais de acolhimento e produção de conhecimento.
Para escolas sem infraestrutura, soluções como as Vans Bibliotecas, orientadas por bibliotecários, são alternativas viáveis. Em 2018, participei de um grupo no FNDE que elaborou recomendações para instalação de bibliotecas escolares, disponíveis nos arquivos da Fundação.
Outra proposta é criar espaços lúdicos em creches e escolas infantis, com acervos de literatura infantil conduzidos por mediadores capacitados, despertando o interesse pela leitura de forma lúdica e afetiva.
No Seminário da Bienal de São Paulo, o Ministro da Cultura da Colômbia, Juan David Correa, destacou que bibliotecas podem transformar realidades ao empoderar comunidades locais, mesmo em áreas remotas, oferecendo lições importantes para políticas públicas. Por fim, é essencial promover campanhas nacionais que valorizem a leitura e os livros, reforçando sua importância para o desenvolvimento social, humano e democrático.