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Apenas 18% das pessoas enxergam as bibliotecas como um espaço para emprestar livros, segundo a Retratos da Leitura 2024

04/12/2024

Apenas 18% das pessoas enxergam as bibliotecas como um espaço para emprestar livros, segundo a Retratos da Leitura 2024

PublishNews, Guilherme Sobota, 04/12/2024

Para especialistas, não é necessário reinventar a roda, mas sim buscar investimentos contínuos em infraestrutura e pessoal – eles também destacam o papel das bibliotecas na promoção de direitos humanos e justiça social

Além de espaços para emprestar livros, bibliotecas podem promover direitos humanos e justiça social | © Cris Castello Branco/Governo do Estado de SP

Além de espaços para emprestar livros, bibliotecas podem promover direitos humanos e justiça social | © Cris Castello Branco/Governo do Estado de SP

Um dado causou espanto na apresentação da Pesquisa Retratos da Leitura 2024 no último dia 19 de novembro, no Itaú Cultural em São Paulo: 39% das pessoas que não frequentam bibliotecas diziam que nenhum motivo as levaria até uma delas. Em outras palavras, quatro em cada 10 pessoas – entre os 75% da população que não têm o hábito – não querem nem saber dos espaços. Apenas 18% dos entrevistados veem as bibliotecas como um lugar para emprestar livros – atrás de quem as vê como local para pesquisar ou estudar (59%).

As bibliotecas perderam relevância também na pergunta sobre “Lugares onde costuma ler livros” (20% em 2019, 14% em 2024) – número que cai ainda mais a partir dos 25 anos, quando menos de 8% das pessoas costumam ler nos espaços.

Por outro lado, uma das razões mais citadas para não ler mais é justamente a falta de bibliotecas por perto (motivo à frente, por exemplo, do preço do livro). A biblioteca ainda é também uma das principais formas de acesso ao livro (empatado com “Livros baixados na internet”, ou seja, livros gratuitos ou frutos de pirataria). Ao mesmo tempo, a avaliação de quem frequenta os locais é bem positiva em praticamente todos os aspectos – embora 38% das pessoas digam não encontrar todos os livros que procuram.

Principais formas de acesso ao livro | © Pesquisa Retratos da Leitura 2024

Principais formas de acesso ao livro | © Pesquisa Retratos da Leitura 2024

Quando questionados sobre o que os faria frequentar mais a biblioteca, os entrevistados responderam, na ordem: ser mais próximo de casa ou de fácil acesso; ter mais livros ou títulos novos; ter mais títulos interessantes que os agradem; ter internet. Atividades culturais nos espaços perderam importância entre a amostra: em 2019, 11% responderam que isso os atrairia para as bibliotecas, contra 7% em 2024.

‘Não é preciso reinventar a roda’

Para o presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região (CRB-6), Álamo Chaves, é alarmante que a maior parte das bibliotecas do país, sobretudo públicas e escolares, não sejam coordenadas por bibliotecários.

“O bibliotecário faz uso de técnicas para atrair o público para ocupar as bibliotecas. Nas bibliotecas escolares, o profissional realiza atividades como contação de histórias, mediação literária, hora do conto, projetos pedagógicos, divulgação de novos títulos, varal de cordel, concursos literários, treinamentos, recontos de livros, além de diversas ações de incentivo à leitura. Já nas bibliotecas públicas, o bibliotecário realiza ações como lançamentos de livros, oficinas de criação de texto, exposições artísticas, projetos culturais, encontro com o autor, cursos, promoção de debates, entre outras atividades de fomento à leitura”, explica.

Para ele, investimentos em infraestrutura e recursos humanos complementares são também fundamentais para o desenvolvimento de um bom trabalho nos espaços. “É importante que as instituições nas quais as bibliotecas estão inseridas (a prefeitura municipal, no caso das bibliotecas públicas, e as escolas, no caso das bibliotecas escolares) deem protagonismo a esses espaços, divulguem e incentivem o uso das bibliotecas, valorizando as ações desenvolvidas pela equipe, sempre sob a supervisão de um bibliotecário”.

Na apresentação da Pesquisa, a educadora e coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC) Bel Santos Mayer – que no mesmo dia viu o seu projeto ser contemplado com o Prêmio Jabuti na categoria Incentivo à Leitura – lamentou o fato de que de 2015 para cá foram mais de 1,5 mil bibliotecas fechadas no país. “É importante destacar também que três grandes fundações que apoiavam a causa do livro e a leitura migraram para outras causas culturais”.

“Um dado importante é o de que quem vai às bibliotecas, elogia. Quem vai, reconhece as mudanças que as bibliotecas têm proporcionado. A BMA aqui em São Paulo acabou de fazer um festival trazendo a literatura e outras linguagens. Quem frequenta, sabe que as bibliotecas têm oferecido mudanças que ajudam a olhar para esses espaços, porque eles dialogam com as outras linguagens artísticas da cidade. Aqui em SP, às vezes para chegar no centro é difícil. Nesse sentido, as bibliotecas trazem questões de direitos humanos e justiça social. Bibliotecas têm um lugar na construção de equidade e justiça. Não é só livro e leitura, mas é transformação nas nossas vidas e territórios”, explica.

Para ela, a biblioteca também é lugar de encontro. “Eu falo: vai para a biblioteca para namorar. Tem que ser esse lugar do encontro, em que a gente vai para falar da vida, dos outros, de outras vidas, ficcionais. A gente precisa olhar e aprender com as bibliotecas que aparecem, bem como analisar as políticas públicas. Os projetos novos do Minha Casa Minha Vida vão nascer com bibliotecas, o que é ótimo. Mas biblioteca não é só colocar livro. Já foi distribuído tanto livro para biblioteca e escola pública, que se fosse só isso todo mundo deveria amar a leitura. Quais são as bibliotecas que funcionam? É quando tem gente lá dentro: tem mediador de leitura, educador, bibliotecários, que se colocam no meio, entre o livro e as pessoas”, analisa.

O que faria os não frequentadores irem às bibliotecas | © Pesquisa Retratos da Leitura 2024

O que faria os não frequentadores irem às bibliotecas | © Pesquisa Retratos da Leitura 2024

Para a gerente de Programação e Produção da SP Leituras, Priscila Ynoue, é possível atrair mais pessoas aos espaços promovendo as bibliotecas como equipamentos para além dos livros. “Um ambiente multicultural, atrativo, que se oferece como ponto de encontros, de acesso à informação, discussão, produção e trocas de saberes. Compreender a comunidade em que está localizada e dar voz a essa comunidade para que as pessoas se reconheçam e se sintam pertencentes ao espaço. Desconstruindo a ideia de que a biblioteca é apenas um lugar de silêncio, estudo ou repositório de conhecimento, tornando seus serviços mais interessantes e diversos, com criatividade e inovação, seguindo tendências e necessidades atuais da sociedade para assim conquistar e se conectar com novos públicos, leitores e não leitores”, comenta.

Para ela, apresentações musicais, exposições, exibições de filmes, oficinas e cursos de diversas linguagens e temas, encontros com escritores, clubes de leitura, contações de histórias, além de serviços como sala de videogames, jogos, acesso à internet e a computadores e um acervo constantemente atualizado são exemplos de algumas ações que também podem contribuir para atrair mais pessoas às bibliotecas.

A gerente de Acervo da SP Leituras, Adriana Luccisano, é também necessário implementar ações estratégicas que fortaleçam o vínculo das bibliotecas com seus frequentadores.

“Manter presença ativa em redes sociais e mídias locais é fundamental para marcar território com conteúdos que incentivem a leitura”, exemplifica. “Plataformas como TikTok e Instagram devem ser vistas como aliadas, especialmente diante do crescente número de influenciadores e criadores de conteúdo, como booktubers, que promovem livros por meio de resenhas e divulgações. Os livros recomendados por esses influenciadores podem ser disponibilizados gratuitamente nas bibliotecas, tanto em formato impresso quanto digital. A inclusão desses influenciadores nas programações das bibliotecas pode incentivar o uso dos espaços e o empréstimo de livros. Outra estratégia eficaz é convidar membros da comunidade para bate-papos sobre leitura e o universo dos leitores, fortalecendo a relação entre as bibliotecas e o público local”.

Bibliotecas digitais

A Pesquisa identificou em 2024, pela primeira vez, o uso de bibliotecas digitais entre frequentadores dos espaços: entre aqueles que frequentam biblioteca sempre ou às vezes, 6% responderam se utilizar dos meios digitais para tanto.

Álamo Chaves, do CRB-6, avalia que para que as bibliotecas digitais cumpram seu papel, é importante as pessoas serem digitalmente letradas. “É necessário inicialmente investir na formação das pessoas, para que elas saibam como usar os recursos digitais de informação. Apenas entregar um tablet ou um telefone celular a uma criança ou adolescente, por exemplo, não é o suficiente. É preciso ensiná-las a usar essas ferramentas corretamente e com responsabilidade. Os bibliotecários são agentes importantes no processo de letramento informacional, auxiliando os usuários a encontrar e a usar informações disponibilizadas nos inúmeros sistemas digitais atualmente existentes. As bibliotecas digitais têm o importante papel de complementar as bibliotecas físicas. Mas, para que sua função seja plenamente alcançada, é necessário haver o processo de letramento digital na formação do leitor e do usuário”, afirma.

Tipos de biblioteca que o entrevistado frequenta | © Pesquisa Retratos da Leitura 2024

Tipos de biblioteca que o entrevistado frequenta | © Pesquisa Retratos da Leitura 2024

Evelyn Fonseca de Souza, coordenadora de Programas e Desenvolvimento Institucional da SP Leituras, reitera que a biblioteca digital está inserida em um contexto que acompanha a transformação dos hábitos de consumo de informação da população, atendendo a uma geração cada vez mais habituada a acessar conteúdos por meio de celulares e outros dispositivos móveis.

“Por sua característica de funcionamento ininterrupto e pela superação de barreiras geográficas, desempenha um papel fundamental ao ampliar o acesso para públicos que não frequentam bibliotecas físicas, seja pela incompatibilidade de horários ou pela ausência desses equipamentos em suas comunidades”, comenta. “Além disso, a biblioteca digital possibilita a diversificação de formatos de conteúdo, como livros digitais, audiolivros, vídeos e podcasts, incentivando novas formas de leitura adaptadas à realidade de diferentes públicos, inclusive daqueles com pouco ou nenhum hábito de leitura. Juntas, as bibliotecas físicas e digitais formam um ecossistema capaz de aproximar as pessoas da leitura e do conhecimento, utilizando a tecnologia para tornar o aprendizado mais acessível, atrativo e relevante”.

Políticas públicas

Para a deputada federal e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa do Livro, Leitura e Escrita Fernanda Melchionna (PSOL-RS), o resultado da pesquisa Retratos da Leitura é um alerta que evidencia a necessidade de políticas públicas que facilitem o acesso a esse espaço “imprescindível para o desenvolvimento de conhecimento e cidadania”.

“É interessante notar que as bibliotecas mais frequentadas são as escolares e comunitárias. Sou relatora do projeto que criou o Sistema Nacional de Bibliotecas, instituído no início deste ano, e que se propõe justamente promover e incentivar a implantação de bibliotecas escolares em todas as instituições de ensino do Brasil”, diz, ao PublishNews. Segundo a parlamentar, já há uma audiência pública encaminhada sobre o tema para o próximo ano.

“O Sistema é uma medida fundamental para fomentar o acesso dos estudantes ao livro. No entanto, ainda é preciso avançar na criação de mecanismos que perpetuem o hábito de frequentar bibliotecas após a vida escolar. Esses mecanismos passam tanto pelo fomento do próprio hábito à leitura na vida adulta, quanto pelo conhecimento das estruturas que o leitor dispõe”, explica.

Avaliação das bibliotecas entre frequentadores | © Pesquisa Retratos da Leitura 2024

Avaliação das bibliotecas entre frequentadores | © Pesquisa Retratos da Leitura 2024

Para Álamo Chaves, os indicadores da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil deixam claro que não é necessário grandes investimentos em soluções mirabolantes. “Investimentos em ações básicas de educação e cultura são o suficiente para que o país comece a mudar resultados como estes”, avalia.

Entre as necessidades primordias, ele cita o cumprimento da Lei Federal n.12.244/2010, recentemente alterada pela Lei Federal n. 14.837/2024, que estabelece a obrigatoriedade de todas as escolas públicas e privadas no país a contarem com bibliotecas. “Se todas as escolas possuírem uma biblioteca sob a supervisão de um bibliotecário, com acervo atualizado e diversificado e mobiliário adequado, já será um grande passo para atingir melhores índices de leitura e educação. Já há estudos científicos que comprovam que estudantes de escolas que possuem bibliotecas se saem melhor em exames como o PISA, por exemplo, do que estudantes de escolas que não possuem bibliotecas. E para que pessoas que já finalizaram seus estudos, é importante que estados e municípios invistam nas bibliotecas públicas, as quais, muitas vezes, são o único equipamento cultural na cidade. Pessoas com acesso à informação e conhecimento de qualidade se tornarão cidadãos críticos e com melhor habilidade para tomar decisões. O investimento em bibliotecas é pequeno, e os resultados sociais são enormes!”.

Números da Pesquisa Retratos da Leitura 2024 sobre bibliotecas

  • 59% consideram que a biblioteca é um lugar para pesquisar ou estudar
  • 18% veem como um lugar para emprestar livros
  • 46% dizem que não existe biblioteca pública em seu bairro ou cidade
  • 75% das pessoas não frequentam bibliotecas
  • 88% gostam muito das bibliotecas que frequentam
  • 39% dos não frequentadores dizem que nada os faria frequentar os espaços


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